400 Metros Barreiras – Um modelo de corrida
"Uma
quebra invulgar na parte final da corrida, pode em muitos casos determinar
atenções especiais na primeira parte da corrida"
Introdução
Duas
situações de desenvolvimento da corrida de 400 metros barreiras; o número de
passadas entre barreiras e os tempos de passagem nas fases intermédias da
corrida, são referências fundamentais para treinadores e atletas quando se
pretende avaliar a prestação competitiva de um atleta nesta especialidade.
Estas duas preocupações foram durante muitos anos uma constante da minha
carreira de atleta e mais tarde no exercício da minha função de treinador, uma
das minhas principais referências de trabalho na selecção e preparação de
atletas para esta especialidade.
Hoje,
treinadores e atletas concentram grande parte da sua atenção nestes dois
importantes parâmetros do doseamento de esforço na corrida, recolhendo o máximo
de informações nas parcelas em que dividem a prova, procurando atingir alvos
(tempos), parcialmente bem determinados nos diferentes momentos (distância) da
corrida. Esta preocupação assume papel preponderante na corrida de 400 metros
barreiras, onde a “estruturação do ritmo das passadas entre barreiras” e a
transposição dos obstáculos em situações de fadiga mal doseada, prejudicam
significativamente o seu equilíbrio.
Actualmente,
adaptadas às características físicas dos atletas, utilizam-se vários tipos de
estruturas rítmicas com um mesmo objectivo – encontrar uma equilibrada
distribuição do esforço na corrida.
O
estudo do fraccionamento da distância (referencial) é variável de treinador
para treinador. Baseado no estudo de bibliografia específica sobre o assunto e
em várias observações directas em competições de atletas de nível mundial, foi
por mim, criado em 1978, um modelo de optimização da corrida de 400 metros
barreiras.
A
conclusão destas observações apontava na altura para um equilíbrio de tempos
nas parcelas; 1ª/4ª, 4ª/7ª e 7ª/10ª barreira e ainda para uma desaceleração
constante nestas três fracções da corrida (105 metros), na ordem dos 0.60 a
1.10 segundos. Este modelo, citado como “tabela portuguesa”, é, ainda hoje,
utilizado como parâmetro na observação da corrida e serve de referência aos
treinadores portugueses no seu trabalho de treino ritmos na corrida de
barreiras.
Caracterização
da prova
Aspectos regulamentares da corrida – 400
metros barreiras:
Femininos Masculinos
10 Número de obstáculos
10
0,76 metros Altura dos obstáculos 0,914 metros
35 metros Distância entre obstáculos 35 metros
45 metros Distância
da linha de partida ao primeiro obstáculo
45 metros
40 metros
Distância do último obstáculo à linha de chegada 40 metros
As corridas de barreiras integram-se
na família das provas de resistência de curta duração, diferenciando-se das
corridas planas pela transposição de obstáculos colocados a intervalos
regulares (35 metros entre si). Nestas corridas, os atletas procuram a maior
velocidade de deslocamento, reduzindo ao mínimo a perda de tempo durante a
transposição dos obstáculos, tentando assim, conservar o seu ritmo de corrida.
Nas corridas de 400 metros com
barreiras, são variadas as estruturas rítmicas dos atletas, dependendo estas,
na maior parte das vezes das características morfológicas dos atletas, onde
tendencialmente, um atleta mais alto com uma amplitude de passo maior, deverá
realizar, um menor número de passadas no espaço entre barreiras (35 metros),
numa perspectiva de economia de esforço.
Outra das razões de variação da
estrutura rítmica da corrida de 400 barreiras é resultante do aparecimento de
fadiga ao longo da corrida. Os atletas utilizam entre as barreiras um adequado
número de passadas que em função do número de mudanças, habitualmente previstas
durante a corrida pode ser aumentado na fase terminal da prova.
Exemplos:
Masc. 13 passos – 14 passos ou 14
passos – 15 passos
Uma mudança:
Fem. 15 passos
– 16 passos ou 16 passos - 17 passos
Masc. 13 passos –
14 passos – 15 passos
Duas mudanças:
Fem. 15 passos – 16 passos –
17 passos
As amplitudes médias do passo nesta
corrida, estão directamente relacionadas com o número de passos efectuados nos
intervalos das barreiras e de acordo com o seu número, são as seguintes:
(13p
–2.46 mts) (14p – 2.29 mts)
(15p – 2.13 mts) (16p – 2,00 mts)
As maiores velocidades de
deslocamento acontecem na parte inicial da prova nos intervalos da 1ª à 4ª
barreira e coincidem com a maior amplitude de passada dos atletas, a saber:
Homens ±
9,50 m/s Mulheres
± 8,50 m/s
Este importante factor
selectivo da velocidade de deslocamento integra também o elemento técnico da
transposição, pois estes registos de tempos, são tomados no contacto do pé com
o solo após a transposição das barreiras. Assim, é possível verificar por
parcela, onde são alcançados os melhores tempos e consequentemente determinar
as respectivas intensidades dos vários tipos manifestação de velocidade em que
está dividida a prova.
Numa operação simples, de
divisão do espaço percorrido (35 mts) pelo seu tempo de execução são calculadas
as respectivas velocidades e de acordo com estes valores, são construídos
gráficos do desenvolvimento da corrida.
Ao contrário dos corredores de
barreiras curtas que mantêm a sua estrutura rítmica desde a sua formação até
terminarem a sua carreira, os corredores de barreiras longas, modificam-na com
o evoluir da sua condição física, o que os leva a ter outras preocupações
técnicas na sua fase de formação, como a aprendizagem de utilização das duas
pernas no ataque à barreira.
Independentemente
desta preocupação, são poucos os atletas de barreiras longas, que utilizam,
indiferenciadamente uma e outra perna de ataque na transposição da barreira,
sem alterações de continuidade na sua corrida. Nestas circunstâncias, o treinador
procurará as melhores soluções que atenuem esta condicionante (ex: perna
contrária na recta ou em situações de ausência de fadiga).
No
mundo do desporto, são várias as determinantes que condicionam os níveis de
desempenho dos atletas, e, de entre estas; as estruturas morfológicas,
orgânicas, perceptivo-motoras, de carácter psicológico e de interacção social,
são na maior parte dos casos, decisivas na qualificação dos patamares de
realização desportiva.
A
simples transposição de dez obstáculos de dimensões médias durante a corrida, é
logo à partida, um factor de selecção morfológica, aos quais se associam
naturalmente, outros não menos importantes de carácter perceptivo-motor,
traduzidos na capacidade de realizar respostas motoras rápidas e orientadas.
A
integração dos 400 metros barreiras, no
limite superior das disciplinas de resistência de curta duração, tornam esta
prova, numa das especialidades mais exigentes da capacidade volitiva dos
atletas, a predisposição dos atletas para “aceitar” as altas intensidades de
esforço e os seus volumes de trabalho é determinante no sucesso da disciplina.
Assim,
um atleta de estatura média-superior, destemido (a barreira não pode ser factor
inibitório) e com um bom nível de velocidade, tem todas as condições para se
tornar um bom corredor de 400 metros barreiras.
Modelo de optimização da corrida
No atletismo, a corrida de 400 metros
barreiras, enquadra-se nas disciplinas de resistência específica de curta
duração, com:
Duração – 40” a 1’ / Intensidade – Máxima / FC :
185 – 195 / VO2 máx. 100%
Fontes decisivas – Anaeróbio 75% / Aeróbio 25%
Factores decisivos–Potência láctica / Tolerância
láctica / Capacidade aeróbia / nível de velocidade.
A falta de avaliação destes
parâmetros fisiológicos no terreno, por ausência de uma qualificada e eficaz
equipa na área do controlo e avaliação do treino, levou-me, partindo de uma
observação sistemática da prova, à criação de um modelo de optimização da
corrida e a partir daí determinar zonas de intensidade de trabalho.
Posteriormente, considerando
um dos factores decisivos da prova – o seu nível de velocidade (RVD) – e a
forma como esta se manifesta no decorrer da corrida, foi possível estabelecer
zonas de intensidade específicas para esta especialidade.
Este referencial de velocidade
de deslocamento (RVD), estimado sobre uma distância de 15 metros corrida no
máximo da sua velocidade, após de 30 metros de corrida lançada, permite-me
seleccionar com maior exactidão estímulos de intensidade de trabalho.
Esta distância de corrida (15
metros), continua, ainda hoje, a ser utilizada pelos atletas para avaliar os
seus progressos sobre velocidade máxima e reformular o RVD, embora na maioria
dos casos, por acção do treino, a sua velocidade máxima se manifeste um pouco mais
tarde.
Partindo deste referencial (RVD)
individualizado e da sua relação com o desempenho nas provas de resistência de
curta duração em distâncias planas e com barreiras (400), foi possível
estruturar zonas de intensidade de trabalho láctico.
Objectivamente,
este modelo de optimização da prova de 400 metros barreiras, projecta
teoricamente no desenvolvimento da corrida, uma desaceleração constante e
progressiva em duas parcelas de 105 metros (4ª/7ª e 7ª/10ª) e propõe
percentualmente (em função do RVD), uma perda regular nestas parcelas,
determinando desta forma, as zonas de intensidade de trabalho láctico; de
velocidade (cor amarela) e de resistência (cor azul).
Estratégia de
preparação.
Determinadas as capacidades
condicionais e as fontes energéticas mais predominantes da disciplina, o
estádio de desenvolvimento do atleta, a predição dos seus resultados (tanto
quanto possível a longo prazo) e o tempo para atingir os objectivos
preconizados, o treinador deverá então proceder, no respeito pelos princípios
da teoria do treino desportivo, à evolução individualizada do crescimento da
carga nas diferentes etapas de preparação dos atletas.
No que se refere à
organização/programação do treino da resistência, torna-se imperioso,
detalhar de um modo mais preciso a área
de solicitação metabólica sobre a qual pretendemos incidir o nosso trabalho,
por forma, a que a carga de treino tenha um efeito mais específico e adequado.
A determinação precisa de uma área de intensidade, permite a organização
sistemática do treino da resistência, e tornar assim, cada unidade de treino
com objectivos diferenciados ao nível da sua adaptação fisiológica.
Para o treino da resistência
surgem, claramente, 4 áreas funcionais de características bem diferenciadas e
correspondendo a diferentes adaptações funcionais; limiar anaeróbio, potência
aeróbia, tolerância láctica e potência láctica.
Como sabemos, o
desenvolvimento destas áreas requer intensidades específicas, pelo que no
treino da resistência será mais conveniente definir com clareza, zonas ou
níveis de intensidade com um significado objectivo e explícito. Segundo os
critérios estudados e referidos por Francisco Alves, texto revisto Nov. 2000 em
estudo do factor físico desportivo sob proposta de Harre (1981) considera
quatro zonas básicas para o treino de resistência:
Zona Designação Caracterização
Metabólica
LA Limiar Anaeróbio [La]
2-4,5 mmol.l-1 ; 50-90% VO2max
PA Potência Aeróbia [La] 4,5-8 mmol.l-1 ; >90%
VO2max
TL Tolerância Láctica [La] > 6 mmol.l-1 ; 100%
VO2max
PL Potência Láctica [La] > 6 mmol.l-1
Em programas de treino, onde a
resistência é objecto de preparação específica e constitui uma condicionante
fundamental para o desempenho competitivo, é habitual aparecer uma distribuição
mais detalhada dos níveis de intensidade, proveniente do desdobramento dos
anteriores. Por isso, importa caracterizar a modalidade ou disciplina quanto à
sua solicitação metabólica e definir as zonas de intensidade a trabalhar.
Dadas as grandes concentrações
láctica que provoca, o programa de treino da resistência deste tipo de atletas,
requer também sessões destinadas à regeneração, pelo que podemos considerar uma
zona de intensidade suave, cujo o objectivo é tão somente a remoção do ácido
láctico.
Podemos então considerar, para
o treino de um atleta especialista de 400 metros barreiras e de acordo com o
modelo de optimização da corrida (quadro 2), as seguintes zonas de intensidade:
• Aeróbia 1 < 60 %
RVD
• Aeróbia 2 60 % - 70% RVD
• Tolerância láctica 70 % - 82 % RVD
• Potência Láctica 80 % - 90 % RVD
A determinação destas zonas de
intensidade de treino, permite aceder a um planeamento de treino com uma base
mais objectiva e quantificável, segundo sequências de significado claro e
justificável. Deste modo, a compensação da fadiga será efectiva, e, ao mesmo
tempo, torna-se possível impor uma estimulação de treino verdadeiramente
significativa.
Em
termos práticos isto significa que o treinador, ao planear um ciclo de
preparação, define a quantidade de trabalho que pretende realizar em cada zona
de intensidade, concebendo depois, para cada sessão de treino uma determinada
percentagem do volume total, de acordo com a fase da época, as necessidades
próprias de cada atleta e a proximidade da competição.
A
criação no treino, de situações de aproximação à competição, é um importante
meio de avaliação, aproveitado pelo treinador para motivar os seus atletas.
Esta estratégia, frequentemente utilizada em sessões de treino, resulta da
comparação de uma cuidada e permanente observação dos registos efectuados em
ambas as situações (treino e competição). Com muita experiência, e, em situações de treino
especiais, é possível prever, com uma pequena margem de erro, o resultado do
atleta na sua competição mais próxima.
A observação da corrida
Para que a observação se processe com rigor é necessário
saber para onde olhar, sendo para tal, necessário ter um conhecimento profundo
do movimento/acções, correndo-se, se tal não acontecer, o risco de se
efectuarem instruções direccionadas aos sintomas e não propriamente às
verdadeiras causas dos erros. Não basta avaliar a eficácia da acção, deverão
também conhecer-se as suas causas, pois o produto final pode ter tido origens
diversas.
Repetidas situações de aflição vividas pelos atletas nas
suas fases finais de corrida, são, em muitos casos resultado de uma falta de
observação e/ou de uma má interpretação dos seus registos na primeira parte da
corrida. A tentação para justificar as quebras de rendimento na fase final da
corrida com falta de resistência, leva a maior parte dos atletas e treinadores
a direccionarem o seu trabalho para esta capacidade condicionante, quando o
problema reside, provavelmente, nas suas passagens muito rápidas em fases
intermédias da corrida.
Os registos cronométricos dos tempos de passagem dos
atletas em parcelas previamente determinadas, permite-nos observar a forma como
foi doseado o esforço durante a corrida. Neste registo deve também ser
mencionado o número de passadas entre barreiras, pois esta informação
complementar, ajuda-nos a interpretar a estrutura rítmica adoptada (a ligação
corrida/transposição das barreiras deve ser minuciosamente preparada por forma
a evitar ao máximo as travagens nas aproximações às barreiras).
A escolha da estrutura
rítmica de um atleta, está associada a factores relacionados com a sua
tipologia, domínio técnico da transposição da barreira e, por último, objecto
principal das nossas observações, na dependência do melhor e mais equilibrado
doseamento do esforço na corrida.
Para além dos condicionalismos intrínsecos do atleta,
também eles elementos condicionadores da forma como se desenrola a sua
prestação desportiva, devem ser, ainda, considerados na observação da corrida,
todos os seus aspectos contextuais, relacionados com; condições climatéricas
(calor, frio, vento, chuva, etc), características do piso da pista (tipo de
material), horário da prova (manhã, tarde, noite), o seu carácter estratégico,
considerando o nível dos adversários e tipo de corrida (a controlar, arriscar,
apuramento, final) e o momento da sua realização, dependendo este do estado de
preparação do atleta. A adaptação à corrida é um importante elemento de
referência a ter em conta quando se procede ao tratamento dos registos
observados, neste caso, mais direccionados para tempos parciais nas várias
fases da corrida.
Um primeiro momento do processo de treino de um
observador é “filmar com os olhos”. Este sentir, faz parte do dia a dia do
treinador e desempenha um papel primordial no exercício das suas funções, estes
dados da sua observação, são de vital importância para a programação do seu trabalho, particularmente
em períodos de preparação específica ou competitiva.
Os seus conhecimentos e sensibilidade para o desempenho
desta competência de observador, direccionada para a corrida do seu atleta,
devem ser numa primeira fase, avaliados por comparação com o tempo oficial da
prova ou com os registos de outros observadores. Após alguma experiência nesta
função, é, já possível ao treinador, em comparação, apenas com os resultados
oficiais, interpretar os seus próprios “erros sistemáticos” de avaliação,
resultantes da sua forma particular de observação.
A utilização do mesmo instrumento de medida (um
cronómetro), dotado de um número apreciável de memórias, manuseado da mesma
forma pelo mesmo observador, garante por si, a validação destes registos.
Impossibilitados regulamentarmente de ocupar as zonas de
melhor visibilidade da prova no interior da pista, os treinadores/observadores
procuram nas bancadas, o melhor local de observação que lhes permita visualizar
o momento recepção na transposição das barreiras e a partir desse local
registar todos os dados necessários ao preenchimento de uma ficha de
observação, previamente elaborada para o efeito.
Estes registos, provenientes da observação directa do
treinador/observador, não podem ser reproduzidos, e, como tal, são de pouco
interesse para a investigação científica. Para estudos de investigação, o meio
tecnológico mais utilizada para fidelizar este tipo de informação é vídeo
gravador (observação indirecta). No entanto, por necessidade de transmitir ao
atleta, informação em tempo útil (de série para série, do aquecimento para a
competição, da eliminatória para a final, etc.) e não ser muito cómodo,
presenciar o treino ou uma corrida através do visor de uma máquina de filmar, o
treinador, cria hábitos de registo por observação directa, de pouco interesse
para a investigação científica, mas de grande aplicação no desenrolar do
processo de preparação dos atletas, pois reflecte uma maior aproximação às suas
situações de treino, local onde se operam todas as mudanças.
A margem de erro
produzida por este tipo de observação, é mais reduzida quando estes registos
apenas consideram o trajectos entre barreiras, pois as maiores diferenças de
tempos dos treinadores/observadores em observação directa e os tempos oficiais
acontecem nas parcelas partida/1ª barreira e 10ª barreira/meta, devido a:
1. Os
treinadores/observadores incidirem a sua observação sobre o atleta e nem sempre
o juiz de partida se encontrar no seu campo visual.
2. A grande
dificuldade de visibilidade do fumo da pistola, por falta de fundo (contraste)
em locais de muita claridade, o que acontece com frequência.
3. A colocação dos treinadores/observadores fora
do alinhamento das linhas de chegada, por razões de impossibilidade técnica
(espaço ocupado por cronometristas e juízes de chegada).
Registo e leitura da
observação
A ficha para observação da estrutura rítmica da corrida
de 400 metros barreiras, regista, não só, os dados necessários à concretização
do nosso estudo, como permite retirar outros elementos de informação que
contribuem para fundamentar estudos direccionados para o mesmo assunto.
Influenciados pela forma como os treinadores dos 400
metros planos dividiam esta distância para melhor acompanharem a evolução dos
atletas (no passado em duas parcelas de 200 metros), os treinadores de 400
metros barreiras, consideraram de igual modo esta distância intermédia para
análise do seu ritmo de corrida e tomavam ainda em consideração a diferença de
tempo do mesmo atleta na sua corrida de barreiras e na corrida plana para uma
avaliação da sua habilidade técnica (corrida/transposição). Era, por isso,
muito frequente a participação dos atletas desta disciplina em provas planas da
mesma distância.
Assim, uma das referências, ainda hoje, muito utilizada
pelos treinadores é o tempo de passagem dos atletas aos 200 metros, medida
directamente na sua passagem por esta distância ou calculada indirectamente a
partir do registo de tempos de barreira a barreira. Para fazer este cálculo,
basta aplicar uma regra de três simples (se nos 35 metros da parcela 5ª/6ª
barreira realiza o tempo x em 14 metros realiza y) e somar ao tempo de passagem
à 5ª barreira (colocada a 185 metros da partida) o tempo encontrado para
percorrer estes 14 metros. Esta distância de 14 metros resulta do contacto do
pé com o solo após a transposição da barreira se efectuar a ± 1 metro à sua
frente.
Uma segunda referência, muito pouco utilizada ainda entre
os treinadores, mas que dá uma maior visibilidade ao equilíbrio da corrida e
consequentemente doseamento do esforço, é-nos dada pela diferença de tempos
entre o melhor e o pior registo de tempo em cada intervalo de barreiras. Uma
menor diferença de tempos determina uma corrida mais equilibrada.
A referência mais utilizada pelos treinadores portugueses
é em minha opinião a que melhor traduz o que se passa na corrida. Este modelo
de optimização da corrida, descrito anteriormente, considera na distribuição do
esforço uma desaceleração constante e progressiva em duas fracções de 105
metros (4ª/7ª e 7ª/10ª) e propõe uma perda (p) regular nestas parcelas de 0.60
a 1.10 segundos que depois é somada ao tempo realizado no percurso da 1ª/4ª
barreira.
Partida/1ª bar 1ª/4ª
bar 4ª/7ªbar 7ª/10ª bar 10ª/meta
y x x+p
x+2p z
De acordo as
opções de análise para a optimização da corrida, a adopção do registo barreira
a barreira, por contemplar as três leituras anteriormente descritas é
indiscutivelmente a melhor opção de observação. Para exemplificar esta opção,
apresento o respectivo tratamento de alguns dados do atleta português Carlos
Silva, recolhidos por observação directa, nas suas três corridas das
Universíadas 2001 em Pequim (30/08 - o apuramento e meia-final e 31/08 - a
final).
Man.
|
Partida
|
1ª p
|
2ª p
|
3ª p
|
4ª p
|
5ª p
|
6ª p
|
7ª p
|
8ª p
|
9ª p
|
Meta
|
Tempo
|
49”24
|
5.89
|
3.81
|
4.03
|
4.07
|
4.17
|
4.16
|
4.23
|
4.38
|
4.58
|
4.62
|
5.30
|
49”80
|
48”68
|
5.89
|
3.83
|
3.97
|
4.05
|
4.19
|
4.06
|
4.26
|
4.29
|
4.53
|
4.50
|
5.11
|
49”22
|
48”49
|
5.93
|
3.76
|
3.82
|
3.99
|
4.20
|
4.07
|
4.20
|
4.27
|
4.48
|
4.58
|
5.19
|
49”07
|
|
|
13
|
13
|
13
|
14
|
14
|
15
|
15
|
15
|
15
|
|
|
Nota: As diferenças de tempos
(0.56-0.54-0.58) entre os tempos registados manualmente e os tempo oficiais, é
resultante da utilização de uma técnica de observação pessoal, realizada sempre
da mesma forma (a partir do movimento do atleta) e que é habitualmente muito
próximo dos 0.60 segundos (erro sistemático) sobre o resultado oficial.
Análise dos registos
contemplando as três leituras já referenciadas.
|
|
Tempo de passagem aos 200 m
|
|
Melhor / Pior
|
|
4ª/7ª - 7ª/10ª
|
||
Tempo
|
|
1º 200 m
|
2º 200 m
|
Diferença
|
|
Diferença
|
|
Diferenças
|
49”80
|
|
24.07
|
25.73
|
1.66
|
|
0.81
|
|
0.65 – 1.02
|
49”22
|
|
23.99
|
25.23
|
1.24
|
|
0.70
|
|
0.66 – 0.81
|
49”07
|
|
23.77
|
25.30
|
1.53
|
|
0.82
|
|
0.90 – 0.86
|
De acordo com o modelo proposto de optimização da corrida
e considerando as competições, do atleta Carlos Silva nas Universíadas de
Pequim, podemos observar uma equilibrada perda de tempo nas duas fracções 4ª/7ª
e 7ª/10ª, dentro dos parâmetros previstos. No entanto, e, porque as duas
últimas corridas, foram realizadas ao seu melhor nível (dentro da sua corrida
padrão) é sobre estas corridas que deverá incidir uma especial atenção.
A
corrida onde o atleta conseguiu a sua melhor prestação nesta competição, é
simultaneamente a de maior equilíbrio, com perdas de 0.90 segundos entre a
1ª/4ª e a 4ª/7ª barreira e de 0.86 segundos entre a 4ª/7ª e a 7ª/10ª barreira.
O ligeiro aumento de tempo verificado no registo da 4ª parcela, resulta da sua
menor habilidade técnica quando o atleta utiliza a perna contrária no ataque da
5ª barreira.
Exemplo
de uma ficha de observação
OBSERVADOR
|
ATLETA
____________________________________________________________
|
LOCAL
________________________________
DATA _________HORA _______
|
Altitude ÿ Pista de
saída ÿ Classificação ÿ
|
COMPETIÇÃO
______________________________________________________
|
Divulgação ÿ Apuramento ÿ Meia final ÿ Final ÿ
|
CONDIÇÕES CLIMATÉRICAS
|
Estado do
tempo Chuva ÿ Frio ÿ
Vento na
primeira recta A favor ÿ Nulo ÿ Contra ÿ
|
PISO SINTÉTICO Duro ÿ Mole ÿ
|
REGISTO DE TEMPOS E PASSOS (barreira a barreira)
|
||||||||||||
|
Partida
|
1ª p
|
2ª p
|
3ª p
|
4ª p
|
5ª p
|
6ª p
|
7ª p
|
8ª p
|
9ª p
|
Meta
|
Total
|
Tempos
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Passos
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
ANOTAÇÕES
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
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